Você já se perguntou por que tantas crianças e adolescentes enfrentam dificuldades com a matemática ao longo de sua vida escolar? É possível que você mesmo tenha enfrentado esse tipo de dificuldade em sua época de estudante, ou as enfrente ainda hoje.

Essas dificuldades podem se manifestar de forma mais explícita nas crianças, quando não conseguem escrever números ou realizar cálculos. Mas também podem ser mais veladas quando se mostram capazes de escrever sequências numéricas, realizar cálculos por meio de algoritmos convencionais (contas armadas), repetindo com eficácia os procedimentos ensinados, tendo, contudo, dificuldades para resolver problemas.

Quem de nós, professores, nunca ouviu perguntas como estas, diante de uma atividade de resolução de problemas:

É conta de mais ou de menos, profe? É de vezes ou de dividir?

Quando trabalhava como professora nos anos iniciais, isso me incomodava muito, porque a despeito de todo meu empenho e esforço para ensinar, sentia que as crianças não estavam aprendendo matemática.

Eu era capaz de apresentar procedimentos, ensinar regras e até mesmo mostrar como funcionavam, usando os chamados “materiais concretos”. Entretanto, ainda que a maioria dos alunos fosse capaz de repetir os procedimentos ensinados, de dar respostas corretas, isso só acontecia se as atividades propostas não fugissem aos modelos explorados anteriormente.

Propor a questão de um jeito diferente ou inserir uma nova variável em um problema, paralisava meus alunos, pois não sabiam lidar com o novo.

Me incomodava também a dependência que essas crianças tinham da minha aprovação, ou seja, a necessidade de uma validação minha para suas respostas. Ao final de qualquer atividade matemática, sempre vinham me perguntar está certo, profe?”

Embora não fosse, nessa época, uma especialista no ensino e aprendizagem de matemática, já percebia que as crianças faziam uma aplicação mecânica das regras e procedimentos ensinados sem compreender como e porque funcionavam, e nesse sentido uma resposta correta não indicava, necessariamente, maior compreensão das noções e conceitos em questão, do que uma resposta errada.

Mas como mudar isso?

Como ensinar de uma forma que fosse além do treino?

Como fazer meus alunos compreenderem conceitos que nem mesmo eu havia compreendido quando estudante?

Como aplicar, no ensino de matemática, práticas como aquelas que eu já desenvolvia em relação à alfabetização e trabalho com a Língua Portuguesa, práticas de pesquisa, como usava nas aulas de ciências, de história e geografia?

Na busca por essas e outras respostas, ao longo de mais de 20 anos estudando o ensino e a aprendizagem de matemática, pude constatar que a grande maioria das dificuldades de aprendizagem em matemática são oriundas da forma como essa disciplina é ensinada na escola, seguindo o modelo clássico no qual se apresenta o conceito, seguido da exemplificação e dos numerosos exercícios de fixação.

Há ainda uma forte crença de que a aprendizagem dos alunos depende da boa explicação que o professor dá sobre a matéria em questão.

Grande parte dos professores, assim como eu mesma fazia, se prepara para a apresentação de um novo conteúdo perguntando-se “como vou explicar isso para meus alunos? “

Ainda estamos muito presos ao modelo explicativo, por meio do qual comunicamos um saber aos nossos alunos. Esse processo de comunicação acaba sendo unilateral e não conversa com as formas de aprender das crianças.

Nossas crianças são curiosas, querem compreender o mundo que as cerca e os objetos culturais presentes em sua vida. São seres pensantes e, como tal, tentam atribuir sentido àquilo que observam.

A matemática é uma ciência, estruturada e organizada como tal, porém é também uma prática social que está presente na vida, no cotidiano das crianças e por isso, muito antes de estudar a matemática formal, as crianças se deparam com situações envolvendo números, envolvendo grandezas e medidas, questões relacionadas ao espaço e formas e problemas matemáticos variados. E elas pensam sobre tudo isso, tentam interpretar as informações que as cercam, manifestando uma forma peculiar de pensar questões matemáticas que podem ser muito diferentes dos modelos matemáticos formais por meio dos quais ensinamos na escola.

Exemplos são muitos e serão vastamente explorados em outros posts desse blog. Você mesmo já deve ter se deparado com ideias muito originais de seus alunos ou mesmo filhos. Ideias que só uma criança livre para pensar poderia ter como, por exemplo, contar da seguinte forma: … vinte e sete, vinte e oito, vinte e nove, vinte e dez, vinte e onze… .

No ano passado, meu filho Gustavo, com 5 anos, descobriu a contagem de 100 em 100 e era assim que o fazia: cem, duzentos, trezentos, quatrocentos, cincocentos, seiscentos, setecentos…

Já o Rafael, também aos 5 anos, escreveu o número 2015 (referente ao ano) da seguinte forma:

Ele explicou seu registro apontando o primeiro dígito e lendo “dois”, depois os 4 próximos dígitos, que ele leu como “mil” (escrito da direita para esquerda) e finalmente lendo o 15 que foi escrito da forma convencional. Quando o questionei sobre o traço que colocou entre o “mil” e o “quinze”, ele disse que não se tratava de um traço, mas que era a letra ‘i’, pois é “dois mil i quinze”

Defendo incansavelmente a necessidade de mudanças na forma de se ensinar matemática na escola. Acredito que se as crianças tivesse mais oportunidade de pensar livremente sobre números, sobre escritas numéricas e sobre ideias matemáticas em geral, antes que lhes fossem apresentados os conceitos matemáticos formais, evitaríamos muitas das dificuldades que verificamos na escola em relação a essa disciplina.

Mas como fazer isso? É o que eu pretendo discutir com você nesse espaço, compartilhando aquilo que aprendi e ainda estou aprendendo sobre como as crianças aprendem matemática e sobre como podemos, no papel de educadores, ajudá-las nesse processo.

Quer fazer parte dessa discussão?

Então te convido a acompanhar as próximas postagens, mas, antes disso, deixe o seu comentário para que eu possa te conhecer e saber quais são suas expectativas em relação ao espaço que estamos criando aqui.

Ana Ruth Starepravo

Ana Ruth Starepravo

Doutora em Educação pela USP, Pedagoga e Mestre em Educação pela UFPR. Mulher, mãe, professora, escritora, pesquisadora e apaixonada por educação, especialmente pelo ensino e aprendizagem de matemática.

9 Comentários

  • Tatiana Miho Rizzardi de Oliveira disse:

    Adorei esse post e tem muito a ver com o comentário (desabafo) que fiz anteriormente.
    Quero sim fazer parte desse espaço de discussões e reflexões!
    Abraços,
    Tatiana.

  • CLAUDIA disse:

    TIVE UMA GRANDE OPORTUNIDADE DE TRABALHAR COM ANA RUTH E AGORA POSSO ESTAR PERTO DELA NOVAMENTE POR MEIO DESSE BLOG.
    GOSTEI MUITO DO VÍDEO, É UMA ATIVIDADE DE MUITA REFLEXÃO E VOU EXPERIMENTAR TRABALHO AQUI NA REDE MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS.
    GOSTARIA DE SABER COMO TER ACESSO AO MATERIAL PEDAGÓGICO DA PREFEITURA DE SALVADOR. PESQUISE

    • Ana Ruth Starepravo disse:

      Cláudia querida! O material de Salvador foi feito para a prefeitura num projeto que envolveu os educadores da rede. Não está disponível para venda, mas talvez se você entrar em contato com o ICEP ou com a própria secretaria de educação, consiga ter acesso aos cadernos. Saudades de você e do trabalho que desenvolvemos em Duque de Caxias. Bjs.

  • As ideias no blog está entrando um pouco no tema de um artigo que estou fazendo no meu curso de matemática… Na qual uso algumas filosofias na aprendizagem matemáticas,buscando entrar com conceitos de escolas formalistas,intuicionistas e lógicos tás…para melhor compreensão na aprendizagem dos alunos da fase fundamental 1 para fase fundamental 2. Tendo vista o ensino desde os primeiros anos da vida escolar…minha pergunta é como trabalhar conceitos assim para facilitar o aprendizado na disciplina de matemática.?

  • Bia Kelly disse:

    Boa parte das lembranças desagradáveis que tenho da escola estão relacionadas à matemática. Eu sempre ficava incrivelmente frustrada por “entender” as explicações dos professores, fazer anotações de rodapé nos livros, copiar e tirar todas as dúvidas possíveis e nunca conseguir ir bem nas provas. O bloqueio é tão grande que norteou minhas escolhas proficionais.
    Hoje, com 2 filhos, estou muito grata por chegar até esse blog. Quero me informar e fazer o possível para minimizar os spoilers (aoenos dentro de casa) e manter a curiosidade, a alegria de aprender matemática na vida deles.

  • Micheli disse:

    Olá, professora Ana Ruth, fui sua aluna na pós graduação da PUC-PR. Sou encantada com sua prática e seus estudos. Gostaria muito aprender e melhorar a minha prática em sala de aula. Atuo na educação há 14 anos, sou formada a 8 anos. No momento atuo na educação infantil de um colégio particular e no 3º fundamental I em um escola pública. Duas realidades bem diferentes, mas que percebo dificuldades semelhantes. E compreensão da matemática é uma das minhas angustias.
    Gostaria de saber por onde poderia começar para mudar essas realidades?
    Agradeço atenção!
    Profª

  • Maurina disse:

    Boa noite!! Tudo bem?? No exemplo acima que vc mencionou seu filho que escreveu A K B I! No caso o que vc fez?? Corrigir ou deixar ele mesmo descobrir que está errado?? A criança está em fase de alfabetização, se ela escreve na maneira dela eu posso interferir essa criança ou deixar ela descobrir o modo certo de escrever?? Desde já agradeço

    • Ana Ruth Starepravo disse:

      Bom dia Maurina. Que bom ter você aqui! Naquele momento específico não corrigi. Valorizei a sua tentativa de escrita, pois foi espontânea. Em outro momento, enquanto líamos um livro juntos, apareceu a palavra cachorro e eu chamei a atenção dele para essa escrita. Perguntei se ele lembrava de como havia escrito a palavra acabei e mostrei que embora o k tenha esse som (ca), usamos o C e o A para registrar esse som.Grande abraço, Ana Ruth.

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